1.Introdução
O
livro “O caso dos exploradores da caverna” escrito por Lon L. Fuller, traz
diferentes abordagens jurídicas sobre a história de cinco exploradores de
caverna que ficaram presos durante vários dias em uma caverna, e que para
evitar que todos morressem por falta de recursos alimentares sacrificaram um
dos integrantes do grupo.
Após
a saída da caverna e o retorno para a sociedade, os integrantes do grupo foram
todos processados por homicídio doloso e condenados à pena de morte.
Entretanto, recorreram da decisão do Tribunal do Condade de Stowfiel para o
Superior Tribunal de Newgarth, expondo argumentos de alto teor jurídico.
2.Voto do Juiz Truepenny
Primariamente
o voto do juiz Truepenny, descreve o desenrolar dos fatos e a situação a que se
encontravam os cinco homens. O mesmo relata que os quatro presentes juntamente
com Roger Whetmore, o integrante o qual foi assassinado, eram todos membros de
uma mesma associação cujo objetivo era exploração de cavernas.
De
acordo com o descrito no voto do juiz, os cinco ficaram presos na caverna após
um deslizamento que bloqueou a única entrada existente na caverna. Entretanto,
esse resgate havia de ser muito conturbado, primeiramente pela localização da
caverna ser de difícil acesso, secundariamente pelo fato de que durante os
manejos feitos para remover os escombros houveram outros deslizamentos, o que
estava atrasando ainda mais o socorro aos homens.
Ao
serem libertados, a notícia de que 23dias após a entrada na caverna, Whetmore
foi assassinado e servido de alimento aos demais integrantes do grupo, foi dada
a todos. Nos interrogatórios fornecidos ao tribunal, os homens relataram que
foi o próprio Whetmore o primeiro a propor o sacrifício de um deles, e até
mesmo a propor a forma de decisão.
Segundo
relatos dos integrantes Whetmore trazia consigo um par de dados que propôs
usarem para escolher quem serviria de alimento, porém Whetmore desistiu do
acordo. Os demais integrantes do grupo considerando que o mesmo havia violado o
acordo prosseguiram ao lançamento dos dados. Na vez de Whetmore um dos acusados
lançou os dados, Roger foi questionado se queria corrigir o lançamento, porém
disse que não queria.
Sendo
assim, tendo a sorte adversa, foi então morto e serviu como alimento para os
demais. Quando foram libertados, após passarem um tempo no hospital, foram
denunciados pelo homicídio de Whetmore. Na fase de julgamento o júri inqueriu
se eles poderiam emitir uma decisão especial que seria julgada pelo juiz
togado, o representante do Ministério Público e o advogado de defesa
concordaram após uma discussão.
Os
jurados então consideram que os acusados eram culpados, decisão que foi
repetida pelo juiz de primeira instância. Sendo assim, o juiz Truepenny, afirma
que os jurados juntamente com o juiz de primeira instância, tomaram a decisão
mais correta e sábia possível, já que a legislação era bem conhecida, segue o
texto :
“Decidindo este extraordinário caso,
parece-me que os jurados e o juiz de primeira instância seguiram uma trajetória
que era não somente correta e sábia, mas a única via que lhes restava aberta em
face do texto legal. Os ditames de nossa legislação são bem conhecidos: “Quem
quer que prive intencionalmente a outrem da vida será punido com a morte”.
N.C.S.A. (n.s.) § 12-A. Esta regra legal não permite exceção alguma aplicável à
espécie, porém, a nossa simpatia inclina-nos a ter em consideração a trágica
situação em que esses homens foram envolvidos.” (FULLER, Lon. L.
2013. p.13)
O
juiz afirma que em casos como esse a lei deve ser seguida a risco, mas que o
princípio de clemência do poder executivo é a melhor solução para mitigar os
rigores da legislação. O juiz conclui que o chefe do Poder Executivo deverá
provavelmente acatar positivamente o pedido, o que não traria incentivo ao
descumprimento da lei.
3.Voto do Juiz Foster
O
juiz Foster, inicia o texto contrariando o voto do presidente e afirma que se
os exploradores forem condenados culpados, que a legislação nacional seria
juntamente condenada no tribunal do senso comum. Foster afirma que a legislação
nacional declara os exploradores inocentes afirmando ainda que este caso não se
encontra sob a tutela do Direito Positivo, mas sim sob a tutela do que chamavam
de “a lei da natureza” (Direito Natural).
De
acordo com o juiz Foster, o Direito positivo pressupõe a coexistência dos
homens em sociedade com justiça, e como os homens estavam em uma condição onde
a coexistência em sociedade era impossível o mesmo não poderia ser aplicado a
eles, pois, a lei perde sua premissa básica, logo a lei perde sua
coercibilidade.
Além
disso, Foster afirma que os homens estavam tão distantes da sociedade que as
leis da cidade não poderiam ser aplicadas a eles, já que a prisão na caverna,
que era tão isolada, separava os homens até mesmo dos tribunais. Para esse
juiz, como os homens não estavam sob a tutela da lei positiva, os mesmo criaram
a própria ordem jurídica.
De
acordo com o juiz a premissa de que a vida é absoluta e não pode ser
sacrificada em hipótese alguma não pode ser tratada com tanto rigor, pois tudo
que se faz na sociedade há um risco de vida. Indaga ainda que se morreram dez
homens tentando resgatar os cinco, por que os cinco seriam condenados por
sacrificar um para salvar os outros quatro?
Como
segundo fundamento do voto o juiz desconsidera a afastabilidade da tutela
jurídica e considera que o a condenação dos exploradores depende muito de um
quesito interpretativo. O juiz defende que os homens incorreram em uma situação
de legitima defesa, haja vista que a legislação literal nem sempre pode ser
levada a rigor.
Afirma Foster que o Poder Judiciário
deve agir com inteligência e interpretar de forma correta a lei, pois este caso
é sim comportado pelo instituto da legitima defesa, o que deve então confirmar
a inocência dos exploradores, e a reforma da decisão proferida pelo tribunal.
4. Voto do Juiz Tatting
O juiz Tatting inicia seu voto
contrariando a corrente adotada pelo juiz Foster, questiona ele sobre em que
momento ocorreu a passagem dos prisioneiros da caverna para o Direito Natural.
Ainda afirma que tanto Foster como ele, são competentes somente a aplicar as
leis nacionais e não as leis naturais.
Outro viés tratado pelo juiz Tatting
é sobre o fato das normas reguladoras de relações particulares assumirem maior
importância que as normas de caráter público. Tão como o fato de o suposto
“contrato” (acordo), ser irrevogável.
Quanto
a visão adotada por Foster para justificar o instituto da legitima defesa,
Tatting supõe que caso Whetmore tivesse reagido para repelir o ataque dos
demais exploradores, o mesmo estaria também em uma situação de legitima defesa.
Além disso, sustenta que a legitima
defesa é um instituto que visa defender o ser humano de atos que o mesmo faça
não intencionalmente, porém esses exploradores, assassinaram Whetmore após
horas de discussão a respeito do fazer.
Quanto ao estabelecer uma exceção na
legislação, em favor dos exploradores Tatting expõe situações onde caso o
Whetmore não tivesse participado, aceitado e proposto o acordo feito pelos
exploradores em geral. Apesar da contra argumentação feita pelo juiz Tatting, o
mesmo afirma estar envolvido emocionalmente no julgamento do caso e que não é
capaz de emitir um parecer solido para esse caso, declarando por fim que
retira-se do caso. Vale trazer, então, as palavras do próprio juiz Tatting: “Uma
vez que me revelei completamente incapaz de afastar as dúvidas legais que me
assediam; é com pesar que anuncio algo que inacreditável, ou seja, não há
precedentes na história deste Tribunal. Por conta disso, declaro minha retirada
deste caso.” (FULLER, 2013, p. 25)
5. Voto do Juiz Keen
O juiz Keen, inicia o voto afirmando
que deseja deixar duas questões de lado, a primeira é a respeito da clemência
do chefe do Poder Executivo, pois essa tarefa compete somente a ele, portanto,
faz-se desnecessário dar instruções ao mesmo. Entretanto, acrescenta que acha
que seria válido um perdão total aos exploradores, pois os mesmos já sofreram
demasiadamente.
Como segunda questão a deixar de
lado o juiz afirma que qualquer julgamento de valor feito a respeito do fazer
dos exploradores não deve ser feito, pois não só ele como todos os juízes do
caso, tem como função primordial a aplicação da lei nacional. Portanto o que
lhes resta discutir é se os exploradores privaram intencionalmente ou não a
vida de Whetmore.
Keen, fazendo uma interpretação
histórica da função dos juízes daquele país, a qual é simplesmente aplicar as
leis escritas, afirma que Foster pertence ao grupo dos juízes com aversão a
norma escrita e que portanto, a procedência de julgar o caso amparado em
quesitos não escrito, seria um erro.
O juiz Keen, além de afirmar que
Foster estava buscando durante seus argumentos uma lacuna na lei, rebuscou a
função primordial do cargo de juiz que é aplicar a lei escrita em seu sentido
evidente, logo os homens seriam condenados por terem agido intencionalmente ao
assassinar Whetmore.
O ministro Keen afirma que as
decisões que criem uma exceção tomadas pelo poder judiciário são mais danosas a
longo prazo do que as decisões severas e rigorosas, pois rigorosas decisões
fazem com que o povo pense na responsabilidade que lhe será imputada ao
transgredir uma lei.
6. Voto do Juiz Handy
Inicialmente o juiz Handy questiona
sobre a natureza jurídica do contrato estabelecido pelos exploradores dentro da
caverna, e pelo fato de Whetmore tê-lo renunciado antes da produção de
eficácia. Afirma também que os melhores gestores do Direito são aqueles que
unem os princípios a sua aplicação ao caso concreto.
O
ministro Handy afirma que os exploradores deveriam ter sidos julgados pelo júri
em sua integridade, pois além de o senso comum acreditar que os homens devem ser
perdoados, esta seria um meio legal de definir o caso sem extirpar a lei, logo
os homens seriam inocentados de acordo com a opinião popular.
Handy ainda afirma que se o caso for
deixado a critério do perdão do chefe do Poder Executivo, o qual já é um homem
de idade e com princípios conservadores, as probabilidades de perdão aos
exploradores seria a mínima, o que acarretaria a confirmação de uma injustiça.
Logo, Handy pedi a absolvição dos
exploradores em razão da ausência de provas de sua culpabilidade, portanto o
mesmo conclui com algumas afirmativas as quais ele elencou como considerações
finais.
Para ele critérios como presunção,
vitimologia e ordem perturbada se enquadra perfeitamente no caso dos
exploradores, todavia, ressalta que seu voto é favorável aos exploradores e
propõe então que os mesmos sejam todos absolvidos da pratica de um crime e que
a sentença seja reformada.
Crítica:
A
respeito do livro, a história narrada, é intrigante e de grande interesse para
que o estudante de Direito, veja e reflita, os diferentes argumentos expostos
dentro do mesmo caso, sendo realizado por juízes diferentes
É um livro que demonstra como é
difícil decidir entre o certo e o errado. Há de analisar todos os lados da
questão para só então tomar alguma decisão.
Conclui-se que foi uma leitura de
grande enriquecimento de aprendizagem. É um livro curto, mas o qual tem grande
conteúdo a ser analisado e refletido. É aconselhável que este livro seja sempre
recomendado ao operador de direito.
Crítica sobre o juiz Tatting
Tatting foi o único juiz que não deu
a sua decisão, foi omisso. Ao se deparar com as suas emoções ele recusou a
julgar o caso. Faltou a ele um posicionamento, a sua própria interpretação.
A hermenêutica nessa hora, seria de
fundamental importância para Tatting, o qual não quis ir contra a letra da lei,
pois a sua concepção do certo a se fazer era inocentar, mas como ele segue a
forma da lei, preferiu ser neutro no caso.
Após uma leitura e análise
criteriosa e profunda da obra é notória e indiscutível a presença de um debate
muito interessante a respeito do desenvolvimento social.
Conclusão
É
de se concluir, mediante a leitura desta obra que o Direito é uma ciência
dialética, a qual tem por base primordial o debate e o choque de opiniões
divergentes. Este livro apresenta essa perspectiva da ciência jurídica,
abordando principalmente com base em um Hard
Case, o qual no atual cenário brasileiro é resolvido geralmente pelo
Supremo Tribunal Federal.
Assim,
cabe salutar, que o autor deixou bem evidente a sua intenção de instigar o
debate e a compreensão de que há no poder judiciário, magistrado com várias
opiniões e bagagens divergentes, sendo essas produto da sua formação social,
jurídica e cultural.
Referências bibliográficas:
FULLER, Lon. L. O
Caso dos Exploradores de Caverna. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama.
Campinas: Russell, 2013. 42 p.
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